domingo, 23 de janeiro de 2011

A música popular dos artistas sem palco

Emboladores usam as ruas, o ônibus e a praia para ganhar a vida, de trocado em trocado, distribuindo versos que satirizam o outro e a si mesmos.

A embolada é o patinho feio da cantoria`. A frase é do pesquisador de cultura popular Assis Ângelo. E faz todo sentido. O palco dos emboladores é geralmente o ônibus, feiras livres e praias. Para ter tanta mobilidade, o pandeiro é o único instrumento. Nas rimas, não têm a preocupação métrica dos repentistas. Fazer a plateia rir - de si mesmo ou de quem está ao lado - é o intuito final da embolada.


Fotos: Lais Telles/Esp DP/D.A Press
O ritmo teria surgido no final do século 19, nas feiras livres do interior nordestino. Foi o olindense Minona Carneiro quem trouxe a embolada para a zona urbana, gravando um disco de 78 rotações na década de 1920. Minona foi o mestre de Manezinho Araújo, que disseminou o ritmo pelo Sudeste. Até hoje, porém, a embolada está à margem. É a música popular dos artistas sem palco, trilha sonora em ônibus lotados e engarrafamentos sem fim, no Grande Recife. Hoje, o Diario conta um pouco da história dos representantes desta tradição: Xexéu do Nordeste e Castanhola. (Carolina Santos)

Ponto de partida

A Praça do Derby é o ponto de partida de duplas de emboladores. Por volta das 11h, os irmãos Papagaio Falador e Sabiá aguardam um coletivo ´bom`. ´Tem que estar nem muito cheio, nem muito vazio`, explica Papagaio, que há 20 anos toca na rua. ´Hoje em dia é difícil ver alguém jovem cantando embolada por aí. Os jovens não querem saber disso`, diz Sabiá.

Dom de Deus

´Não se aprende embolada. É um dom. O professor da gente é Papai do Céu`, acredita Xexéu. Quando menino, morava num sítio em Tracunhaém, cortava cana, estudava e cantava nas feiras. ´Vi Caju e Castanha na televisão e pedi um pandeiro pra minha mãe`, lembra. Mudou-se para o Alto José do Pinho, no Recife, e, em 1987, começou a cantar em ônibus. Nunca teve outro emprego.

Os quentura

Com o dinheiro que ganha com as emboladas, Castanhola sustenta mulher e filho no bairro da Guabiraba. ´Nos ônibus, tem gente que diz 'vai trabalhar, vagabundo'. Mas esse é o meu trabalho. É honesto e é o que eu gosto`, diz. Foi cantor de pagode e, há 15 anos, faz dupla com Xexéu. Ano passado gravaram um disco: Os quentura das emboladas. Vendeream 300 cópias.

É só chamar

Tocar na praia só é vantajoso em domingos e feriados. Em dias de semana, das 8h às 16h, Xexéu e Castanhola batem ponto nos ônibus do Recife. Os que passam pela Avenida Caxangá têm os passageiros mais generosos. Rio Doce, Casa Amarela e Boa Viagem são outras localidades vantajosas. Mas o que conseguem arrecandar por dia ainda é muito pouco. ´Vai de R$ 20 a R$ 40. Bom era na época do Cruzeiro, quando o pandeiro ficava cheio de nota. Hoje é uma economia com as moedinhas#`, lamenta Xexéu. Para completar a renda, tocam aonde quer que sejam chamados. ´Até em enterro de sogra`, diz Castanhola.

Letra e ritmo

A embolada é música simples. ´Ritmo binário e travalíngua`, explica Assis Ângelo. Tudo feito com pandeiro - diferença maior com o repente, que usa viola de dez cordas. Há 12 modalidades de embolada catalogadas, contra 83 do repente. É nas letras que o ritmo se apoia. Cada dupla tem mais ou menos um roteiro decorado, que muda de acordo com o ouvinte. Unanimidade não existe na embolada. Tem gente que gosta, tem gente que fica com raiva e vira a cara na hora de pagar`, diz Xexéu.

Serviço

Xexéu e Castanhola: 8764-0510
Papagaio Falador e Sabiá: 9429-4244 
Fonte: Diário de Pernambuco

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